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O Último Fenício VI


Capítulo VI

   Nikola descia o morro apressadamente, vítima do torvelinho de pensamentos que o deixavam mais confuso. Parou, entretanto, abruptamente quando finalmente caiu em si – como retornar para casa? Os custos da viagem ficaram a cargo de Maurice e não possuía quantia suficiente que valesse um lugar em qualquer navio. Cansado, cedeu às pressões do corpo e sentou-se no meio do caminho, sob os olhares curiosos dos passantes. O sol mal começara sua marcha descendente nos céus. O branco das moradias saltava às vistas. O ar quente soprava. Não havia nuvens na paisagem magnífica descortinada lá do alto – as ondas douradas no mar, a silhueta da serra verdejante e a cidade inteirinha adiante. Contudo, dentro de Nikola, era noite fechada. Viam-se lumes perderem-se nas trevas de sua consciência. E mais uma vez chorou. Por que dar ouvidos a um homem como Maurice? O que buscar em terras tão longínquas? Lembrou-se de Amália, da imagem enternecedora que aquecia seu coração; e de sua mãe, cujo desaparecimento fora explicado como tendo sido por motivo de um naufrágio no Adriático, onde sucumbira junto a seu pai. Enfiou a mão no bolso do colete e retirou uma carta, a última carta que Amália lhe escrevera com o pseudônimo de Helga.
   Viveram um romance intenso por meses a fio. Ela o encontrava nas sessões em Viena, depois fugiam para algum quartinho obscuro e lá davam asas à sua paixão. Mesmo quando andavam pelos arredores, ou viajavam para cidades mais distantes, Amália arranjava artifícios para os acompanhar. Coisa esta muito difícil de manejar, porquanto uma moça de apenas dezoito anos e de origem nobre não andasse por aí desacompanhada. Para tanto concorreu uma prima bem próxima, sua confidente, que fazia as vezes de carteiro levando e trazendo as cartas de ambos. As lágrimas de Nikola pintalgaram aquela missiva agora amassada. Respirou fundo, levando as letras ao peito – “sinto-me só sem Amália e sem... Sem minha mãe’’. Algum outro sentimento o invadiu inopinadamente e, como se bebesse de águas tenazes, assaltou-lhe uma tal ambição, nascida de uma tímida revolta interior por perdas tão drásticas. Talvez, a única coisa que desse algum sentido à sua vida agora fosse mesmo aquele tesouro. Ficaria rico e mostraria para Belgrado, para o Império e para a Europa que não era um caixeiro reles, que tinha a nobreza que qualquer fortuna pode comprar. Ergueu-se e tomou  o rumo de volta ao cortiço.
   Lá chegando, viu a senhoria na porta do quarto onde deixara Maurice e Christian. Um barulho de coisas quebrando e gritos denunciavam uma luta corporal. Nikola forçou a entrada e viu que os dois homens se socavam: – basta! – gritou. Maurice e Christian pararam ante a aparição do judeu – eu resolvi acompanhá-los.
-Graças a Deus, mestre! Excelente resolução! – Exclamou Maurice.
-Ah, vejo que foste picado daquele mosquitinho a que todos os homens se rendem... – Christian tentou insinuar algo.
-Não sei de que mosquito falas, tampouco me interessa. Devo admitir que a promessa de fortuna fácil me conquistou. Subamos, pois, ao tal monte, repartamos o tesouro e vamos cada um para seu canto... Espero que, após esta pequena aventura, jamais torne a vê-los!
-Mas, mestre, o que o fizeste mudar de idéia?
-Não importa. O que importa é que tentarei descobrir a passagem, claro, se estiveres disposto a me magnetizar.
-Devemos acertar tudo; temos que conseguir transporte, víveres, alguns homens, armas... Ah, e o mais importante: alguém que conheça o caminho! – Disse Christian.
-Como? Não conheces o caminho? Ora, seu infeliz! – Maurice parecia querer recomeçar a contenda.
-Melhor sairmos logo para providenciar tudo. Até porque, a briga dos dois já chamou muita atenção e não é bom que pessoas além de nós saibam que vamos atrás de um tesouro perdido – Nikola adotou um aspecto grave, próprio dos dias nebulosos anteriores.
   Uma vez na rua, Maurice e Christian falavam alto entre si, e Nikola os seguia um pouco atrás morro abaixo. Foi quando sentiu alguém lhe tocar. Ao voltar-se, viu um velho, provavelmente escravo, baixo e de vestes surradas; a barba e o cabelo estavam alvejando e as mãos grossas seguravam um cachimbo.
-Seu moço, escuta nego véio que já viu tudo nessa vida. Ocê num confia nesses tar homi, não. E nem deixa que coração de moço fique cheio de coisa ruim.  Moço é bom e esses homi aí não vale o prato em que comero. Vá embora, seu moço, volte pra sua tera de orige, que se nego véio pudesse vortá pra dele, morreria muito feliz!
-Ora, mas quem é o senhor?
-Nego véio tem mais algo pra dizer. A moça que moço vê quando drome não é moça que moço amou lá na tera d’ocês. É outra moça inda mais fromosa, mas que moço não conheceu – Nikola permaneceu calado, algo aturdido com as palavras daquele homem. Maurice chamou por ele e, quando deu por si, o velho havia desaparecido.
-O que foi, Nikola? Estás aí olhando para o nada?
-É que... Não viste o...
-Vi o quê?
-Nada, nada, não! – A figura daquele velho impressionara Nikola que não mais logrou apagá-lo de sua mente pelos dias subseqüentes.

Continua...

1 Comentário:

Anônimo disse...

Estamos no aguardo de mais um capítulo!